A Outra Face do “Demônio”

Por Carlos Buby

Alguém criou o demônio e sem saber o que fazer com ele o mandou para a Umbanda com “cópia autenticada”, também para o Candomblé e outras tradições, é claro, não radicais ou violentas. Responsabilizado pelos fracassos e infortúnios do mundo, o demônio acabou se transformando em uma boa justificativa e por que não dizer num alívio para aqueles que, “incapacitados” de perceber ou assumir os próprios desacertos, culpam forças malignas.

Com muito esforço, podemos compreender a simbologia contida na expressão grega daimónion, que se refere a uma forma oposicionista ao bem. Entretanto, alimentar a crença de que existe uma guerra entre o bem e o mal é o mesmo que professar o politeísmo. Apesar de tudo ter sido criado por um Deus único, com certeza a unicidade não era o Seu objetivo final pois, se assim fosse, a natureza não seria tão diversificada, e o equilíbrio natural não se faria a partir da ação de implacáveis predadores. Portanto, classificar fenômenos instintivos como expressões demoníacas é o mesmo que culpar o Tempo pelo nosso processo de envelhecimento.

Há quem diga que os demônios são seres pensantes capazes de interferir na consciência das pessoas e, dessa maneira, conduzi-las ao sofrimento em função do distanciamento de Deus. Não temos dúvidas de que o distanciamento de Deus causa sofrimento e astenia profunda. Todavia, explicar as diferentes causas que favorecem a desconexão com a essência da vida apenas com discursos religiosos significa limitar o problema ao nível da crença. Isso é muito perigoso, pois o ser humano age e reage em função do que acredita, e crer no demônio é a melhor forma para fazê-lo existir, não no aspecto teológico, mas psicológico.

O Templo Guaracy admite a existência de seres espirituais evoluídos e outros em fase de evolução, porém todos, indistintamente, são considerados filhos de Deus e dignos do respeito de todos os seres humanos. Até aqueles que habitam os mais obscuros planos espirituais não são discriminados nem excluídos. Quais seriam as reações no nosso mundo social se os errantes fossem marginalizados, os pobres excluídos, as crianças abandonadas, os negros sem oportunidades, os índios dizimados, as prostitutas apedrejadas, os homossexuais discriminados e a “salvação” fosse um privilégio exclusivo daqueles que têm boa vontade? Essas são indagações que não representam, contudo, nenhum indício de indignação. A indignação nos abrasa quando tais injustiças sociais são simploriamente atribuídas ao demônio. Apaziguai o Dragão e Jorge será Livre.

“Utilizar-se de má fé para ludibriar pessoas
fragilizadas é tão fácil quanto criar um demônio.”
Carlos Buby